sábado, 7 de junho de 2014

"Dança ai Negro Nagô"


          Rejeição à primeira vista. Assim descreveria a primeira vez que me deparei com a música: Negro Nagô, foi por ocasião de um curso que fiz na PUC-SP, a principio não entendi bem o por que dela ser cantada ali, achei estranho, e a cada estrofe eu ficava mais incomodado.  A “cantiga” começava assim:

“Eu vou tocar minha viola
 Eu sou um negro cantador
 O negro canta, deita e rola
 Lá na senzala do Senhor”.      

          De pronto, já observei a afirmação de alguns estereótipos negativos sobre o negro: nos dois primeiros versos é apresentando o negro como um ser orientado ao tocar e cantar, e em seguida é passada a noção de que há uma espécie de “adaptação positiva” do negro a senzala. Observe ainda o “Senhor”, com letra maiúscula. Entretanto, apesar da primeira parte indigesta, na segunda estrofe, veio um relativo conforto:

“Tem que acabar com essa história
 De negro ser inferior
 O negro é gente e quer escola
 Quer dançar samba e ser doutor”

          Mas, mal sabia eu que teria que ouvir serem repetidos, mais de 15 vezes, até o fim da música um sonoro “Dança ai Negro Nagô”. O que para mim definia a mensagem principal transmitida pela música.



          Para entender o teor de minha de minha critica é fundamental perceber que em nossa sociedade negros e negras são costumeiramente associados ao campo da corporeidade e nunca do intelecto.

(Negros dançando ao som de tambores, tela de Zacharis Wagener)

         No racismo à brasileira, se construiu um lugar social para o negros bem sucedidos, e este lugar não está no campo das ciências ou do intelecto. Espera-se que homens negros sejam esportistas, trabalhadores braçais, mas não cientistas ou médicos. Espera-se de mulheres negras que saibam sambar ou que não façam corpo mole nas duplas jornadas de trabalho como domesticas e cuidadoras do lar, mas nunca que sejam engenheiras ou sequer universitárias (Leia mais aqui)
          Bem, procurei desesperadamente na internet o autor da referida musica, eu queria saber se era um negro(a), não encontrei, mas na pesquisa ela era sempre atribuída a Pastoral da Juventude – PJ.

          Ora, fiquei me perguntando: o que os levou companheiros(as) da Pastoral da juventude a eleger essa interpretação do negro como modelo ao ponto de reproduzi-la em grande parte das atividades que organizam? Será que foi sugestão de alguma corrente do movimento negro? Será que é uma exclusividade minha o estranhamento com o teor desta letra?

        De qualquer modo, de uma coisa eu tenho certeza, a condição social dos negros neste país não me inspira a cantar e dançar, mas à resistência contra as opressões centenárias que nos aflingem. Homens jovens negros são a principais vitimas da violência policial (Leia mais aquiMulheres negras estão na base da pirâmide social (leia mais aqui) Crianças negras são preteridas nos processos educativos (leia mais  aqui), Portanto, em vez de cantigas de alegria, ouço bradar do meu povo negro um soluçar de dor.

“Esse canto que devia
 Ser um canto de alegria
 Soa apenas
 Como um soluçar de dor”

(Canto das três Raças, Clara Nunes)

         Não é objetivo deste breve desabafar estabelecer a verdade sobre o que se pode ou que se deve dizer sobre os negros. Não se trata de autoritarismo. Pois de fato considero que os ritmos e musicalidade sempre estiveram e estão presentes na cultura africana e afro-brasileira, prova marcante disso é o belo Hino da Negritude criado há 70 anos atrás pelo poeta, professor e grande liderança negra Eduardo Oliveira:

"Sob o céu cor de anil das Américas
Hoje se ergue um soberbo perfil
É uma imagem de luz
Que em verdade traduz
A história do negro no Brasil
Este povo em passadas intrépidas
Entre os povos valentes se impôs
Com a fúria dos leões
Rebentando grilhões
Aos tiranos se contrapôs
Ergue a tocha no alto da glória
Quem, herói, nos combates, se fez
Pois que as páginas da História
São galardões aos negros de altivez" 
(Hino da Negritude, Eduardo Oliveira)

Portanto companheirxs, somos música, dança, arte, conhecimento, oralidade, religiosidade sim, mas sobretudo, RESISTÊNCIA!





6 comentários:

  1. A diversidade também tem olhares diversos, a sua reflexão é importante para que façamos,com liberdade, a crítica por dentro do próprio Movimento Negro. Já participei de eventos da Pastoral Afro; cantei e dancei "dança aí nego nagô, dança aí nego nagô..." Preciso dizer que senti, naqueles momentos, uma das formas de diálogo com nossos antepassados. Essa letra, percebo, é uma invocação nos momentos de meditação de religiosidade, de Axé, de inspiração de fortalecimento na caminhada. A energia das vozes, do canto, da dança, da da corporeidade e da corporalidade que emanam, naqueles momentos, alimentam a alma negra; alimentam nossos pertencimentos negros. Portanto, percebo também, a letra dessa música não tem o objetivo de se protestar contra a crueldade histórica que se fez e se faz contra negros e negras nesse país, hoje, 52% negro; ela é reafirmação do Axé!
    Quero refletir ainda mais, sobre esse texto, não para contrapô-lo, mas para incluí-lo, como subsídio das performances da nossa luta histórica. Cumprimentos.

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    1. Olá Porf°a Adiles Verdadeiramente, e bem observado quanto a diversidade. E, minha angustia/curiosidade é justamente conhecer esses outros olhares, pois aos meus olhos, essa cantiga não condiz coma história de resistência do povo negro no Brasil. Também concordo que talvez eles não tenha sido feito para ser uma musica de resistência, mas no meu caso ouvi-la gera inevitável desconforto, muito obrigado pela mensagem, grande abç!

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  2. Relendo a música Negro Nagô, lembrei de um momento em minha vida, quando cantava no coral do Momunes e íamos em algumas as escolas apresentar.O enfoque era mostrar para aqueles alunos que ouviam para refletirem sobre a questão de estarem dentro da instituição escolar, que mesmo negros deveriam focarem ser engenheiros ,doutores.Mesmo sendo negro, quero dizer sobre sair dentro de um sistema no qual não estamos acostumados a ver.Tão grande ainda é o sonho de muito que fazem parte do Movimento Negro.

    Marilda Corrêa

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  3. Na música a letra refere-se a um Brasil colônia. Nesse período, apesar das adversidades, o negro nunca deixou de cantar ou muito menos dançar, por exemplo. Tanto é que temos uma vasta herança cultural, como: moda, beleza e a própria música.
    Enfim, a música traz questões históricas, diz que o negro foi escravizado, mas não deixou sua cultura, alegria e sonhos de lado, sonhos de um futuro melhor. Então, porque afirmar que existe racismo no teor dessa música?
    A condição do negro, da humanidade, não nos inspira a dançar e cantar, porém não deixamos de ser felizes e de vivermos nossas vidas, muito menos nos impede de sermos resistentes as opressões centenárias.
    Além disso a Pastoral da Juventude, como o próprio nome sugere, trabalha com os jovens, e abordam diversos temas, como o racismo, o extermínio da juventude, (o que também incluem os negros) , marginalização entre outros, portanto isso também dificulta a minha compreensão do seu estranhamento.

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  4. Esse texto me deixou muito pensativa. Eu achei muito interessante porque nunca tinha ouvido esse ponto de vista. Queria compartilhar meu sentimento sobre a música. (Vai ser voltado pra religiosidade porque falo enquanto juventude da PJ) Eu sou da Pastoral da Juventude, e ser negra na Igreja Católica não é fácil. É a minha religião, mas sempre nos esbarramos com padres, coordenadores de movimentos, e o próprio povo, embranquecendo aquilo que chamam de santidade. Retirando do negro seu espaço de existir até na religiosidade. Quando ouço negro nagô vejo como uma música de resistência, porque ocupamos com ela um espaço que é nosso, o espaço da religiosidade, o espaço da cultura, o espaço da dança, e do canto. Levamos pra um lugar hostil a nossa cultura e a nossa história. É lembrar claramente de toda atitude desumana que o povo negro viveu e infelizmente ainda vive. E eu me sinto tão acolhida, tão preta, tão verdadeira quando canto negro nagô, porque mesmo que seja um esteriótipo,não podemos fingir que sim, tem gente que se encaixa na corporeidade, eu me encaixo, eu celebro e danço, e continuar essa festa que é o corpo não é apagar o intelecto. Por isso que a pastoral da juventude valoriza a formação, o debate e o crescimento das juventudes. Para que o jovem (que é nosso publico) possa viver as dualidade dessa vivencia humana, a corporeidade e o intelecto.
    A única coisa que eu ainda não pesquisei e me veio um dúvida enorme é realmente o último verso da primeira estrofe ["Lá na senzala do Senhor"], eu tenho várias interpretações dele, mas essa sua colocação me deixou com uma enorme pulga atrás da orelha.
    Parabéns pela perspectiva de visão. Resistiremos! Abraços.

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  5. Negro não cala negro participa eu cresci ouvindo e olhando esta frase em um quadro na sala da minha avó então eu digo em voz alta viva o negro em todo país....

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