sábado, 16 de agosto de 2014

Quanto vale uma vida, exceção virou regra no Brasil?


 Escrevendo agora à noite, ouço a reportagem do jornal sobre um protesto realizado numa cidade dos Estados Unidos pela morte de um jovem negro por um policial. Como a reportagem me chamou atenção, fui pra frente da TV ver do que se tratava. Na reportagem os manifestantes protestavam nas ruas pela morte do jovem, que segundo testemunhas, foi morto pelo policial mesmo quando já tinha se rendido.

O fato é que o que me chamou atenção na reportagem, para além de ter ficado revoltada com a ação policial e a morte de um jovem negro, certamente por uma atitude racista, já que ser negro no imaginário policial, muitas vezes, significa ser bandido, foi a pronta reação a essa violência.

         As autoridades do governo foram acionadas imediatamente para dar explicações sobre morte do jovem Michael Brown, e até o presidente Obama fez um pronunciamento público sobre, no qual condenou a repressão policial aos manifestantes e a prisão de alguns jornalistas que cobriam o ocorrido. Até ontem 14/08, mais de 30 pessoas já tinham sido presas durante as manifestações que já duram 04 dias.

           Outra questão muito seria a ser observada é que conforme já havia relatado um amigo de Brown, por meio de um pericia preliminar, se constatou que Michael Brown foi alvejado por vários tiros na cabeça. Fato que configura não uma morte circunstancial, mas sim um assassinato, neste caso não é difícil compreender a revolta dos manifestes contra a ação policial.

Manifestantes marcham em protesto contra a morte de Micahel Brown no centro de Ferguson, Missouri, em 11 de agosto Foto: Sid Hastings / AP

Aqui no Brasil, hoje mais cedo, olhando meu Facebook, vi uma postagem revoltada de um companheiro que dizia “até quando?” se referindo ao assassinato de um jovem negro em Salvador- Bahia.

Ao me deparar com os dois casos, logo pensei: quantos jovens negros/as precisam morrer no nosso país para que se tomem providências mais incisivas? Obviamente que não estou querendo dizer aqui que os Estados Unidos são o um modelo ideal de nação não racializada a ser seguida, no entanto, não vejo, por exemplo, a governadora do meu estado ou outros governantes se pronunciarem diante do alarmante quadro de mortalidade juvenil que se encontra o Brasil.

        No Brasil a cada 100 mil jovens, 53,4 foram assassinados, em 2011 e os crimes foram praticados contra pessoas entre 14 e 25 anos (Mapa da Violência, 2013);

            Em 2010, foram contabilizados 192.804 casos de homicídios no Brasil. Números superiores a somatória de homicídios ocorridos em países que estiveram em conflito armado, como Israel/Territórios Palestinos, Iraque, Afeganistão, Colômbia, Paquistão, Índia, Somália e Sudão, que entre 2004 a 2007 somavam 157.332. (WAISELFISZ, 2012);

         Em 2011, do total da população, o número de vítimas de homicídios de cor ou raça branca diminuiu em 22,3%, entre 2002 e 2008. Entre os negros (pretos e pardos), o percentual de vítimas de homicídio cresceu em 20,2%, no mesmo período. Em 2002, foram vítimas de homicídios, proporcionalmente, 45,6% mais negros do que brancos. Em 2005, pelo mesmo motivo, morreram 80,7% mais negros que brancos e, em 2008, morreram 111,2% mais negros que brancos.

Embora a demanda 1 da I Conferencia Nacionalde Políticas Públicas de Juventude tenha sido a Campanha contra o Genocídio da Juventude Negra e apesar de todos os esforços dos Movimentos Negros, Movimentos De Juventudes, Fórum Nacional de Juventude Negra, entre outras entidades ainda não conseguimos acabar com ou reduzir consideravelmente os números de jovens negros mortos no país. Ainda suamos muitos para tentar dar visibilidade a essa pauta. Não vejo nos jornais de grande visibilidade nacional a cobertura das Marchas feitas pela campanha “Reaja ou seja Morto, Reaja ou Seja Morta”.

       "Para termos uma ideia, em 2012, 1.890 pessoas morreram em supostos confrontos com a policia no Brasil. Enquanto que nos EUA, país com uma população 60% maior que a do Brasil, no mesmo período, 410 pessoas morreram na mesma situação." Além disso, temos uma das menores taxas de resolução de crimes violentos, um sistema prisional falido e o maior contingente jovem da história brasileira 51 milhões. Ou seja, a questão da violência no Brasil é urgente e absolutamente grave.

           Em 2013 por razão da morte do garoto Trayvon Martin, assassinado por um segurança que o confundiu com um bandido, Barack Obama, primeiro presidente negro dos EUA, também se pronunciou a nação dizendo "poderia ter sido eu".

           É certo que a luta contra violência não deve ser desempenhada tão somente pelos governantes, toda sociedade deve estar envolvida nesse objetivo. Mas ao ver na TV o pronunciamento do presidente Obama, várias coisas me vieram a mente. Uma delas foi que: se nossos governantes fossem se pronunciar publicamente para explicar e cobrar justiça por cada caso de jovens negros/as mortos/as pela polícia no país, nós não teríamos mais horários disponíveis na televisão para outro tipo de programação.

Contribuições: Danilo lima

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Luta Negra e Privilégio Branco

por: Danilo Lima

          É fato que o  negros escravizados construíram este país. O Brasil deve muito ao seu povo e principalmente ao povo negro, mas parece não ter consciência dessa divida.

Revolução Haitiana 1791 a 1804

     Historicamente lutamos pela preservação do que é nosso. Desde África há resistência negra, para preservação a cultura, da religião, dos valores que ainda hoje são constantemente violentados. Pois “a casa grande jamais voltou os olhos para a senzala sem subjuga-la”.

          Mas resistimos, bravamente resistimos, e lutamos pela liberdade de nossa prática religiosa, por educação, saúde, trabalho, moradia de qualidade e fundamentalmente por igualdade de oportunidades. O que há de mal nisso? Por que tantos se voltam contra as políticas afirmativas, sociais e inclusivas que defendemos?

          Entendo que parte do problema é que os historicamente os privilegiados não reconhecem sua posição social, como bem diz Leopoldo Duarte em  seu texto recente “Se o mundo é racista não ser alvo de racismo já é um modo de gozar de privilégios.” Afinal a miscigenação brasileira NÃO se verifica nos postos de poder do país.

         É necessário observar que quando o movimento negro, historicamente, denuncia a violência e as práticas genocidas contra a população negra e principalmente contra sua juventude, ele se mobiliza em favor da vida, que é um direito universal.

         É fato que a luta do movimento negro por políticas afirmativas de cotas raciais abriu também as portas da universidade pública para alunos brancos e carentes das escolas públicas.

        É fato também que a luta por emancipação da mulher negra emancipa também a sociedade brasileira, considerando que negros somam mais da metade da população brasileira e que essas mulheres negras são, em suma maioria, as responsáveis pelo sustento de suas famílias, mesmo sendo elas empurradas pelo racismo a base da piramide social.

        Mas como aponta o professor Adilson Moreira, no Brasil temos sim uma elite branca de classe media alta, majoritariamente masculina e heterossexual, que se demonstra irredutível quanto a deixar sua posição social privilegiada, e que manda no país a partir dos postos de comando que ocupa.

        Não obstante,  oportunistas ainda fraudam as políticas afirmativas para negro/as que tão duramente construímos e conquistamos, mais uma vez, se beneficiam do nosso sacrifício entrando nas vagas reservadas para negros nas universidade públicas, como ocorreu na UERJ, ou em concursos públicos, ou ainda nas vagas para diplomacia  no Itamaraty como os denunciados pela Educafro em SP.

        Se somos a maioria da população brasileira, se temos a exata consciência que o Estado brasileiro nos deve, e muito, se mesmo lutando por direitos universais somos excluídos e discriminados, se quando conquistamos direitos nos roubam as oportunidades, se sabemos que o racismo é um projeto de dominação que nos subalterniza, lhes pergunto, ansioso pela resposta: O que tem anestesiado a revolução negra contra o privilégio branco no acesso às oportunidades nesse país?



quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Juízes querem discutir ações afirmativas


A Associação Juízes para a Democracia lança nota pública convidando a sociedade brasileira discutir a promoção de políticas de cotas raciais para o Poder Judiciário.

                       O MOMENTO PARA DISCUTIR AS COTAS RACIAIS NO JUDICIÁRIO


A ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental, sem fins lucrativos ou corporativistas, que congrega juízes trabalhistas, federais e estaduais de todo o território nacional e de todas as instâncias, e que tem por objetivos primaciais a luta pelo respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito e pela defesa da independência judicial, vem apresentar a presente NOTA a respeito das cotas raciais no Poder Judiciário.

No mês de junho do presente ano de 2014, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou os dados coletados para o primeiro Censo do Poder Judiciário realizado em todo o país. Em relação à distribuição racial da magistratura brasileira, o censo revelou que apenas 14% dos juízes de direito se declararam pardos, 1,4% se identificaram pretos e 0,1% se declararam indígenas; tais dados, em contraste com a esmagadora maioria de 84,5% que se declarou branco.

Trata-se de mais um, dentre tantos outros informes estatísticos divulgados diariamente por todo o país, que desmonta a tese da existência da democracia racial brasileira. Dois séculos de independência política frente a metrópole portuguesa não lograram eliminar relações eminentemente coloniais baseadas em critérios raciais, onde o branco ocupa as funções inseridas no ápice da pirâmide social-econômica, ao passo que o preto e o indígena, aquelas situadas na base da mesma pirâmide.

Tal quadro é socialmente naturalizado, vindo a legitimar o formato dos concursos de ingressos à carreira da magistratura baseados em uma adulterada meritocracia que desconsidera o pressuposto da existência de ponto de partida igual entre os candidatos. O que se tem em tempos atuais são concursos que nem sempre refletem o mérito de todos os extratos da sociedade brasileira, realizando, conforme explicitado pelo censo, “[...] discriminação, subalternização e desumanização com base nos atributos de raça e cor, ou seja, trata-se de racismo.”

A despeito de consistir em reflexo de problema que alcança todo o país, a prevalência de brancos nas atividades-fins do Poder Judiciário traz consigo efeitos políticos e jurídicos peculiares à atividade jurisdicional. Não se pode olvidar que a interpretação e a aplicação de documentos legais exigem a emissão de “[...] juízos morais sobre questões que dividem profundamente os cidadãos, como o aborto, o auxílio ao suicídio e a justiça racial”, a depender da visão de mundo de cada magistrado.

Ora, um Judiciário que, internamente, não contribui para a democratização racial apresenta, como consequência imediata, dificuldade em externar a visão de mundo das raças historicamente colonizadas. Os juízos morais que influenciam a atividade jurisdicional limitam-se, quase exclusivamente, aos adquiridos pelos brancos nunca escravizados e nem submetidos a qualquer processo de dizimação.

A promulgação de uma Constituição Federal (CF) que estipulou como um dos objetivos do Estado brasileiro a promoção do bem de todos sem qualquer forma de discriminação (art. 3o, IV) não foi, portanto, suficiente para inserir a visão de mundo das raças colonizadas nas decisões judiciais. Trata-se de circunstância que parece não deixar dúvida de que a positivação de direitos, embora de suma importância para o alcance de demandas dos excluídos, não basta para a correção de injustiças históricas e para a promoção de democracia pluralista.

A implementação de ações afirmativas por parte do Estado revela-se, assim, importante instrumento para a efetivação dos valores emancipatórios positivados. No caso do Judiciário, a possibilitar que a visão de mundo das raças de há muito colonizadas também seja externada na resolução dos conflitos de interesse, gerando maior sensibilização sobre velhos problemas relativos à discriminação e ao preconceito não sentidos na pele da maioria branca que atualmente ocupa a magistratura.

Há, é bem verdade, políticas de cotas nas universidades que podem ampliar o acesso de pretos e indígenas à formação jurídica, imprescindível ao ingresso na carreira da magistratura. Todavia, trata-se de ação, isoladamente, insuficiente, na medida em que os concursos para os cargos de juiz de direito apresentam etapas – especialmente a fase oral – sujeitas à subjetividade dos membros das bancas julgadoras, em sua maioria formada pelos mesmos brancos que ocupam a quase totalidade do Judiciário brasileiro, compartilhando uma visão de mundo que nem sempre conhece o histórico de colonizado da imensa maioria excluída da carreira.

A implementação das política de cotas não significa, outrossim, que haverá distribuição aleatória de vagas em concursos para a magistratura. Os candidatos que pleitearem o ingresso na carreira submeter-se-ão às mesmas provas que os demais concorrentes, com a diferença de que se identificarão como pretos ou indígenas no ato de inscrição.

O fato de o atual formato dos referidos concursos dificultar a aplicação das cotas (por exemplo, aprovando número menor de candidatos ao de vagas abertas, ante a insuficiência das notas dos reprovados, conforme exigência de edital) não pode ser óbice às políticas afirmativas. O certame é uma construção humana – e não um fato da natureza -, podendo, por tal motivo, sofrer modificações para se adaptar às exigências de democracia racial.

Por fim, lembra-se que as ações afirmativas, além de se amoldarem à igualdade material projetada constitucionalmente (art. 5o, caput , da CF), encontram amparo jurídico na Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial. O artigo 1o, parágrafo 4o desse diploma normativo estabelece que não serão consideradas discriminatórias “as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais e étnicos ou de indivíduos que necessitem de proteção para poderem gozar e exercitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais em igualdades de condições.”

A Associação Juízes para a Democracia entende que está na hora de a sociedade brasileira discutir a promoção de políticas de cotas raciais para o Poder Judiciário. Sob uma ordem normativa que cerca de um quarto de século atrás prometera ser a Constituição-cidadã, não se pode continuar a negar a cidadania à grande parcela da população, impedindo-a de ingressar na função estatal de aplicar o Direito ao caso concreto, essencial aos fins emancipatórios do Estado brasileiro consagrados em sede constitucional.



São Paulo, 6 de agosto de 2014.





fonte: http://ajd.org.br                                                                                       06/08/2014