segunda-feira, 25 de maio de 2015

OS LADOS DA(S) REDUÇÃO(ÇÕES).

 Por: Alexandre Reis*

            Como comumente ocorre a todos os temas polêmicos que transitam em locais de grande visibilidade, eles são debatidos pelos “intelectuais oficiais” de maneira superficial e, o que é pior, parcial. Ser a favor da redução da maioridade penal em nosso país é defender um upgrade no mecanismo institucional de exclusão e discriminação. Não há meio termo nesse ponto. O que causa divisão nesse grupo a favor da redução da maioridade é que alguns defendem porque são conscientes dos efeitos e outros porque são iludidos com uma narrativa no estilo “Cidade Alerta” que coloca a impunidade como a única causa do crime. Essa narrativa da punição sempre apareceu em meus debates sobre o tema. Não foi diferente no último, quando, no grupo UFSCar do Facebook, dispararam essa:

A questão não é diminuir,é punir. Pergunte pra uma mãe que teve um filho morto por uma" criança" dessas se ela não tem razão em ser a favor da redução.”

            Vivemos num país erguido sobre a discriminação e a exclusão do povo preto. Esse contexto deveria tornar evidentes os efeitos da ideologia conservadora que dá ao indivíduo total responsabilidade por sua história, mas, como aquela frase mostra, isso não é evidente para os que compram tal ideologia sem saber.
            Assim, o que se faz necessário, nesse contexto, é termos na ponta da língua os fundamentos e os argumentos que serviram para instituir as cotas para negros e estudantes pobres. Logo de cara podemos bater o martelo de que defendemos uma concepção de indivíduo que é fruto de e possui uma história. Não são aquelas velhas ideias deterministas que não davam espaço para a individualidade, pelo contrário, é a defesa de uma individualidade que tenha direito a voz por não estar calada e atada com as mordaças do individualismo e da meritocracia. Em resumo e para gravar: uma luta que se trava contra o conservadorismo começa por afirmar a historicidade de todo o sujeito.
            Alguns podem pensar “olha o marxista falando”, mas, mesmo sendo empiricamente verdade, não posso ser injusto e compartilhar dessa visão que dá ao marxismo o monopólio da defesa da historicidade. Essa bandeira transcende muito o marxismo como essa frase de Abdias do Nascimento nos mostra:

Abdias do Nascimento,1983/acervo Ipeafro.
"A história do Brasil é uma versão concebida por brancos, para os brancos e pelos brancos, exatamente como sua estrutura econômica, sociocultural, política e militar tem sido usurpada da maioria da população para o benefício exclusivo de uma elite branca/brancóide, supostamente de origem ário-europeia (Nascimento in O quilombismo, p.15)."

            Dito isso, podemos agora trazer uns fatos que revelam um pouco da historicidade do negro no Brasil. Começando pelo que é já lugar-comum, lembramos que o pós-abolição não foi um corte entre uma sociedade escravagista e outra sociedade igualitária. Se, nesse momento, os negros sofreram na pele os efeitos de uma história que não os permitiu o acesso a uma formação educacional, tal situação se agravou quando o Estado interveio para incentivar a imigração de europeus sob uma demanda do mercado de trabalho, o que colocou os negros numa maior desvantagem. Podemos ver aqui o embrião do racismo institucional por essa combinação de falta de politicas públicas que conduzissem o negro para uma efetiva cidadania e o incentivo do Estado às imigrações? Acredito que sim.
            É impressionante que esse papel do Estado como reprodutor e criador de desigualdades raciais (racismo institucional) só recentemente, do ponto de vista histórico, tenha sido estudado. Isso só foi possível pela organização de movimentos sociais que lutaram por uma sociedade que não excluísse os negros, ou seja, os movimentos sociais que compunham o Movimento Negro. Interessante notar aqui essa constante: foi só com a mobilização negra que o Estado, como ferramenta de discriminação e exclusão, foi questionado. Essa necessidade de se ver o outro lado, o lado do excluído, fica evidente numa frase do jornalista negro José Correia Leite explicando a necessidade de uma imprensa negra:

a comunidade negra tinha necessidade de uma imprensa alternativa, que transmitisse informações que não se obtinha em outra parte.”  (in E disse o velho militante: depoimentos e artigos. Organizado por Cuti,  p. 33)

            Não vou pontuar outros momentos históricos do Movimento Negro, mas gostaria de deixar claro a semelhança das pautas que estavam no surgimento desse movimento com duas pautas mais próximas de nós, a defesa das ações afirmativas e a luta contra a redução da maioridade penal. Todas elas se configuram num cenário onde o lado dominante tenta calar os oprimidos: na época de José Correia Leite, pelo monopólio dos jornais, em nossa época, pela defesa da meritocracia e do individualismo, no debate das ações afirmativas, e defesa duma visão onde o crime se combate exclusivamente pela punição, no debate da redução.
            Nos debates sobre ações afirmativas tivemos, mais uma vez, como adversários uma ideia reducionista, que foi aquela que entende igualdade somente de uma maneira formal. Nesse sentido, o discurso dos anti-cotas foi e ainda é muito previsível: as cotas ferem o princípio formal de igualdade. O lado esquecido por esse discurso, seja de forma consciente ou não, é que o conceito de igualdade evoluiu muito no meio jurídico por conta das desigualdades criadas pelo capitalismo. As lutas dos operários por melhores condições de trabalho trouxeram para o centro do debate jurídico uma visão onde a igualdade formal não era desassociada da igualdade material.
            Esse abandono do individualismo em prol de um pensamento mais social e do formalismo em prol de um pensamento mais concreto também permitiu que as ciências sociais descobrissem fenômenos que não são redutíveis ao indivíduo em si, como o racismo institucional:

...a ciência social começa a abandonar os esquemas interpretativos que tomam as desigualdades raciais como produtos de ações (discriminações) inspiradas por atitudes (preconceitos) individuais, para fixar-se no esquema interpretativo que ficou conhecido como racismo institucional, ou seja, na proposição de que h· mecanismos de discriminação inscritos na operação do sistema social e que funcionam, até certo ponto, à revelia dos indivíduos. ( A (Antônio Sérgio Alfredo Guimarães in Desigualdade que anula a desigualdade: notas sobre a ação afirmativa, p.156)

            Já no atual debate sobre a redução da maioridade penal, a posição dos conservadores é marcado por outro reducionismo: o do discurso da impunidade. O que é deixado de lado aqui é, simplesmente, a principal causa de nossos níveis alarmantes de criminalidade: a desigualdade social. Essa lógica do mais-punição = menos-crime seria inaceitável na maior parte do mundo, mas no contexto brasileiro ela se torna mais que isso, ela se torna criminosa porque ignora que grande parte da criminalidade tem motivação na eterna reprodução do círculo de ferro da pobreza, por conta da ausência de políticas públicas inclusivas, e, no caso dos negros, também pelo racismo institucional.


Crianças biricando entre o lixo e escombros. Virgem dos Pobres/Maceió/AL/Brasil (Crédito: Tudo na Hora)

            Ou seja, para se falar de juventude negra e pobre no Brasil, deve-se falar também dessas duas forças que não são redutíveis ao indivíduo, o racismo institucional e o círculo de ferro da pobreza, e que empurram essa juventude para a marginalização. Lembrar-se dessas duas forças também nos serve para sairmos de uma visão igualmente reducionista do racismo, que o coloca como sendo algo intencional do indivíduo. Vemos toda uma mídia mobilizada para falar de racismo no Brasil somente pelo viés da atitude racista, ou seja, aquela que há intenção de discriminar. Esse outro reducionismo deve ser combatido nesse novo debate sobre a redução da maioridade penal para pautarmos o lado mais perverso dos mecanismos que condenam o negro e que serão, caso seja aprovada, enormemente reforçados: os mecanismos institucionalizados.
            A juventude negra, independente da classe social, é já forçada a receber menor atenção dos professores; forçada a ter sua cultura posta do lado de fora da escola; forçada a estudar uma história de brancos e para brancos; forçada a ser vítima de estereótipos criados todos os dias pela grande mídia; forçada a ser o alvo preferencial de uma arma policial e tudo isso se agrava enormemente quando lembramos do machismo, a outra força que se alia àquelas duas para discriminar a mulher negra.
            Portanto, os defensores da juventude negra e pobre devem ficar atentos às outras reduções que aquela bandeira conservadora nos traz: reducionismo individualista, que procura apagar a historicidade, ou trajetória, dos sujeitos; reducionismo da concepção de igualdade, que não se atenta para a igualdade material; reducionismo da lógica mais-punição = menos-crimes, que busca ocultar os papéis da desigualdade social, do racismo institucional e do círculo de ferro da pobreza nesse fenômeno social e, por fim, o reducionismo da concepção de racismo, que o coloca unicamente como ação subjetiva e ignora seu lado institucionalizado.


* Graduando em Letras pela UFSCar. Formado em Português pela Universidade de Coimbra (Portugal) no abrigo do Programa de Licenciatura Internacional (PLI, Capes). Frequentou por dois anos (2008-2009) o curso de Letras na Universidade de Santo Amaro (UNISA) com uma bolsa integral do ProUni. Membro do Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso (GEGe) sob a coordenação do Prof. Dr. Valdemir Miotello, no qual desenvolvemos pesquisas sobre Filosofia da Linguagem, tendo como suporte as ideias de Mikhail Bakhtin. Tem interesse nas áreas de Filosofia da Linguagem, Hermenêutica, Análise de Discurso, Filosofia da Ciência, Filosofia Política, Literaturas Africanas e Ensino-Aprendizagem.

Textos consultados:

DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo,  Niterói ,  v. 12, n. 23, p. 100-122,   2007 .   Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-77042007000200007&lng=en&nrm=iso

GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo; SOUZA, Jessé. A desigualdade que anula a desigualdade: notas sobre a ação afirmativa no Brasil. Multiculturalismo e racismo: uma comparação Brasil-Estados Unidos. Brasília: Paralelo, v. 15, p. 233-242, 1997.

NASCIMENTO, Abdias do. O quilombismo. Vozes, 1980.

SILVERIO, Valter Roberto. Ação afirmativa e o combate ao racismo institucional no Brasil. Cadernos de pesquisa, v. 117, p. 219-246, 2002. Disponível em: 
http://www.scielo.br/pdf/cp/n117/15560.pdf

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Alma Preta / Universitários e coletivos negros organizam Encontro Nacional

Nos dias 8 e 9 de maio, estudantes universitários negros de diversas partes do país se reuniram na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) para a reunião da Executiva Nacional do I Encontro de Estudantes e Coletivos Universitários Negros (EECUN), que ocorrerá entre os dias 30 de outubro e 2 de novembro.

A reunião objetivou discutir novos direcionamentos para o evento após negativa da UFSCar para a realização do encontro no mês de maio. A organização foi obrigada a adiar o EECUN por falta de subsídios como alojamento e alimentação para os estudantes negros participantes.



sexta-feira, 1 de maio de 2015

Estatuto da Igualdade Racial

Você conhece a LEI Nº 12.288, DE 20 DE JULHO DE 2010 o  Estatuto da igualdade Racial?


Assista o INTERPROGRAMAS - 07.11.13: Sobre o Estatuto da Igualdade Racial que garante à população negra direitos e oportunidades. Além disso, é um instrumento de combate a discriminação. Em 2013, as universidades federais reservaram 17,8% das vagas para candidatos pretos, pardas ou indígenas.


Acesse na integra o texto do  ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL: